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O GRUPO ESCOLAR

na cidade de Passa Quatro-MG

          Eu me lembro com saudade, das minhas professoras do primário, no Grupo Escolar Presidente Roosevelt, em Passa Quatro-MG.
          Primeiro, foi a Dª Isaura, no meu 1º ano primário.  No segundo ano, foi a Dª Guiomar;  no terceiro ano, foi a Dª Adelaide, e finalmente no quarto ano, foi a Dª Marisa, na época procedente de Belo Horizonte.  Ele veio para Passa Quatro, juntamente com seu marido, que era engenheiro da estrada de ferro-RMV.  Todas essas professoras eram grandes mestras, muito dedicadas aos seus alunos.


          A Dª Isaura, nos ensinava as matérias de praxe, como Linguagem (Português), Aritmética (Matemática), e também ensinava Religião.  A propósito, a minha "Primeira Comunhão" foi realizada nesse primeiro ano primário, e no próprio Grupo Escolar, num evento religioso realizado ao ar livre, organizado pela Diretora, que se chamava Dª Carmen. Guardo uma foto desse evento, onde reconheço muitas pessoas e me recordo de muitos amigos e colegas da época.

          Naquela época, em Passa Quatro, havia muitos alunos, desde crianças da cidade, da área rural e dos bairros mais distantes, e só tínhamos esse Grupo Escolar.  Por esse motivo, havia dois turnos de aulas, sendo de manhã, das 7 horas até 11 horas e à tarde de 13 às 16 horas. Os alunos do 1º e 2º ano, estudavam na parte da tarde, e os alunos do 3º e 4º ano, estudavam de manhã.  Para o 1º ano, havia duas turmas em 2 salas separadas;  a sala dos que iniciavam seu curso primário, e a outra sala dos alunos repetentes.  Para essa turma, dos repetentes, a sala era conhecida como "sala do 1º ano adiantado"


          Quando eu comecei meu curso primário, eu já sabia ler e escrever, pois eu havia aprendido em casa, desde meus 5 anos (tendo como professores meus tios Guilherme e Clara Köhn).  Sendo assim, eu comecei entrando direto na "sala do 1º ano adiantado"  (dos repetentes), e na minha infantilidade, eu tinha prazer em falar a quem perguntasse, que eu estava no "1º ano adiantado".  Que bobo fui, pois podiam interpretar que eu era um "repetente".


          Mas, voltando à Dª Isaura, por vezes ela dizia: hoje vamos fazer uma excursão;  e saia com seus alunos, todos em forma, dois a dois, em fila, para um passeio fora da escola, num jardim próximo, o Jardim dos Leões, como era chamado.  Nesse jardim, que era um recanto de lazer, havia muita vegetação, árvores frondosas, bancos de madeira espalhados por entre o jardim, muitas flores e um pequeno lago de águas limpas, plantas aquáticas e peixinhos coloridos, vermelhos, amarelos, brancos.  E a boa professora Dª Isaura, ia explicando às crianças (seus alunos), os nomes das árvores, e das flores: - estas são as margaridas, as rosas, bocas de leão, etc, etc... Terminado o passeio, voltávamos para a sala de aula e a Dª |Isaura então, mandava que todos fizessem uma composição, ou seja, uma redação sobre o que tinham visto no passeio.

          E todos redigiam naquela simplicidade característica das crianças.  A maioria escrevia coisas bem simples, mas havia também composições (redações) interessantes.  Me lembro também, que em nossa sala de aula, havia uma espécie de painel (tripé de madeira) com várias gravuras grandes que podiam ser visualizadas uma por uma.  Eram gravuras de paisagens diversas: uma fazenda, um rio, montanhas, pessoas, etc.  Em outros momentos, a Dª Isaura escolhia uma gravura qualquer, e pedia que os alunos fizessem uma composição sobre aquele tema, ou seja, sobre o que a gravura mostrava.

          Eu me lembro, que certa vez, a minha redação era mais ou menos assim: - Estou vendo uma menina.  Ela se chama Alvarina (OBS: eu não sei de onde eu havia tirado esse nome, mas eu o achava bonito. Devo ter visto em algum lugar).  Continuando... Alvarina tem um cachorrinho. O cachorrinho se chama totó.  Eles moram em uma fazenda. Na fazenda tem galinhas, patos, cavalos e vacas...

          Bem, eu tinha 7 anos, e assim eu escrevia na minha simplicidade de criança.  As meninas mais espertas e desinibidas, tinham que decorar um pequeno trecho de uma poesia, e recitar na frente da sala, como se fosse um auditório.  Eu me lembro de uma menina chamada Lucia Caetano.  Ela sabia de cór um recital de uma estorinha infantil, intitulada "Nhá Barbina".  Era uma estorinha um tanto engraçada para a época, que até outras professoras pediam para a Lucia fazer o seu recital em qualquer evento festivo do Grupo Escolar.  E de tanto ouvir essa estorinha, eu também acabei guardando na memória essa estorinha da "Nhá Barbina".  No final deste comentário, vou transcrever essa estorinha completa, para deixa-la aqui registrada.

          Tenho uma boa lembrança também, da Dª Adelaide, minha professora do 3º ano.  A casa dessa professora, era uma extensão da escola, ou seja, do Grupo Escolar;  eu me lembro que de vez em quando, ela organizava reuniões em sua casa, com alguns alunos, para fins de trabalhos escolares, e que depois, tais trabalhos eram levados para a sala de aula, com intuito de incentivar outros alunos.

          Essas reuniões escolares na casa da Dª Adelaide, eram na verdade, uma aula "extra", com os alunos mais aplicados.  Ela tinha prazer em dar aulas.  Ela também ensinava que os alunos deviam rezar no inicio e ao término da aula.

          Eu gostava de desenhar, e quando eu estava no 2º ou 3º ano (não me lembro exatamente), eu ilustrava minhas "composições" (redações), com algum desenho inspirado em figuras de livros ou revistas.  Bem, a professora manda fazer uma redação.  Tema livre.  Então, eu fiz uma redação (composição), sobre uma menina da minha sala, chamada Rosana Perroni.  Não me lembro das palavras que usei na redação, mas acho que eram palavras bem simples.  Mas, eu fui motivo de risos e de encarnação por parte dos meninos e meninas, porque a professora mostrou para todos da classe a minha redação e o desenho que eu havia feito da nossa coleguinha;  uma menina com duas tranças compridas, soltas, amarradas na ponta com uma fitinha de tecido, exatamente como usava nossa coleguinha, a Rosana.  Não sei, mas talvez ela ainda se lembre desse fato até hoje.
(Vejam agora, uma foto das professoras dessa época):


O RECITAL E MONÓLOGO DA "NHÁ BARBINA"  (ENCENADA POR LUCIA CAETANO, DESDE O 1º ANO PRIMÁRIO)

Eu e a Nhá Barbina, fumo convidado prima festa.
E a Nhá Barbina, quiria ir.  (Obs.- A lucia dava uma ênfase nesta fala, batendo com um punho fechado na outra mão)
- Mais num vamo, Nhá Barbina.  (Com ênfase na fala)
- Mais eu quero ir...  (Lucia dando de ombros nesta encenação)
- Mais num vamos, Nhá Barbina...
- Mais eu quero ir...   (Repete a ênfase e os gestos)
- Então vamo.
E então nóis fumo indo, fumo indo, inté chegar numa lagoa.
E a Nhá barbina quiria nadar  (Lucia repete os gestos)
- Mais num nada, Nhá Barbina !
- Mais eu quero nadar...
- Mais num nada, Nhá Barbina!
- Mais eu quero nadar...
Então nada.
Quando ela voi pondo o dedão na água, ela gritou: - Socorro, socorro, tô me afogando...
Pobre da Nhá Barbina, saiu toda molhada!
Mais intão nóis fumo indo, fumo indo, inté chegá na festa:
lá tinha; leitão, frango assado pipoca, tinha inté rojão.
E a Nhá Barbina, quiria sortá rojão!
- Mais num sorta, Nhá Barbina!
- Mais eu quero sortá...
- Mais num sorta, Nhá Barbina!
- Mais eu quero sortá...
Intão sorta.  Eu vou te ensiná. Ocê pega o forfi, risca, e quando o rojão fizer Tchsssssss,
ocê sorta, hein Nhá Barbina, ocê sorta, hein Nhá Barbina!
Ela pegou o forfi, riscou, e o rojão fez Tchsssssssssss - Sorta, Nhá Barbina, sorta, Nhá Barbina
- Mais eu num quero sortá...
- Sorta, Nhá Barbina!
- Mais eu num quero sortá...
De repente o rojão fez... BUUUUMMMMM!
Pobre da Nhá Barbina, morreu toda queimada.



         

O PREFEITO



          Na minha pequena cidade natal, de Passa Quatro, que fica no grande estado de Minas Gerais, havia uma senhora, que tinha cinco filhos.  Quatro rapazes e uma menina.  Era uma família pobre, paupérrima. O marido desta senhora, tinha uma semelhança com o personagem caipira conhecido como Jeca Tatu. Era idêntico, pelo seu jeito de andar, suas precárias condições de vida e saúde, sem muito ânimo para trabalhar. 


          Viviam em uma choupana de barro, coberta de sapé, construída no terreno de um fazendeiro rico, de nome "Toin Parva" (Antonio Paiva).  A choupana ficava em meio a um "calipá" (plantação de eucaliptos da fazenda). Um dos filhos, trabalhava no "leiticino" (Lacticínio).

          Apesar da sua casinha localizada bem longe da cidade, nos arredores de uma fazenda, esta pobre senhora diariamente estava na cidade, sempre em busca de algum alimento que pudesse levar para casa, fruto da generosidade que nunca faltava, por parte da boa gente da cidade.  Muitas famílias mineiras, piedosas, sempre lhe ajudavam. 

          Nessa época, eu era um adolescente, e me escapava o entendimento da vida com mais profundidade, e até acreditava com uma certa ingenuidade, em muitas coisas ue ouvia das pessoas.  Aquela senhora, gostava de bater papo, sempre a reclamar da vida, e falar dos seus problemas.

          Contava, por exemplo, que um de seus filhos, não era "bão da cabeça" (sofria uma espécie de disritmia cerebral, conforme fiquei sabendo mais tarde);  o outro filho, também estava sempre doente:  a menina frequentava a escola, mas não aprendia nada.  Mas, em compensação, ela tinha um filho que era Prefeito...

          Prefeito?  De qual cidade será, porque desta não é, pensei comigo mesmo, quando ouvi sua estória, nas costumeiras tagarelices com os vizinhos. Confesso que fiquei mesmo pasmado, em saber que aquela senhora, pobre daquele jeito, tinha um filho que era, imaginam... Prefeito!  Somente muito tempo depois, é que me dei conta do que ela realmente queria dizer, ou seja, que todos os seus filhos eram problemáticos, e apenas um era perfeito.

          Hoje, relembrando estas estórias, percebo que aprendi outras palavras deste verdadeiro dialeto caipira, como por exemplo:
"Treis antonti" ; que quer dizer, trás-ante-ontem, no dia anterior ao de anteontem...
"Hospi" ; para dizer, hóspede...
"Lata discupada" ; vasilha desocupada...
"Cadifó" ; caixa de fósforos...
 - "A água tá pulano" ; (a água está fervendo);
- "Pó pô pó?" ; (pode colocar o pó?);
- "Pó pô" ; (pode);
- "Café tá fraco" ; (o café está fraco);
- "É café co poco pó pá popá o pó" ; ( é café com pouco pó, para economizar)...

          Moral da estória: parece que o pobre sofre uma escassez de tudo. Economiza até nas palavras. PÔ!

APRESENTAÇÃO



          Este Blog tem por finalidade contar estórias em forma de crônicas.  Ou seja, coisas da vida cotidiana sobre as quais gosto de escrever e compartilhar com os amigos.  São estórias verídicas ou não, sérias ou humorísticas, mas que tenham assim um "soft power" (poder suave) de fazer bem ao nosso espírito.


          Se estas crônicas alcançarem esse propósito, me sentirei recompensado.

"Cumpre falar com sinplicidade das ideias complicadas com sutileza das ideias simples".

                                                                         (Jean Cocteau)

          Meu nome é Guilherme Köhn, e este é o meu Blog. Crônicas Köhn. Para quem não me conhece, faço esta minha modesta apresentação pessoal, dizendo apenas que sou um "blogueiro" de origem mineira (Passa Quatro-MG), cidade que considero meu berço cultural, mas que atualmente vivo em Resende, Estado do Rio de Janeiro, cidade igualmente rica em cultura, artistas e poetas.  Em resumo, é isto que tenho a dizer.  No mais, estarei contando muitas estórias, pois é o que eu gosto de fazer, é o meu hobby.  Minha intenção, é brindar os meus leitores, os meus amigos, companheiros e colegas, alguns dos quais também estão inseridos nestas minhas lembranças, e fazem parte da minha historia, ou estórias.

CRÔNICAS KÖHN