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REFLEXÕES EMPRESARIAIS


Ônibus e Metrô

          Nesta dissertação, vou falar de fatos reais. "Scripta manent verba volant".  Minha irmã trabalhava como secretária no escritório do Metrô de São Paulo.  Ela me contou que lá, certa vez, num Seminário sobre Qualidade Total, era intenção dos diretores, implantar um projeto de qualidade em todos os departamentos. 


          Na ocasião, foi perguntado aos presentes naquele  Seminário, quem seria a pessoa mais importante do Metrô.  Alguns responderam que a pessoa mais importante seria o Presidente do Metrô; outros disseram que seria o chefe, ou gerente de tal e tal departamento.  Ninguém acertou.

          O instrutor do Seminário observou então, que a pessoa mais importante era quem menos se esperava, ou seja, o bilheteiro, aquele que trabalha nas estações do Metrô. - Ora, por que? (Todos se perguntavam surpresos). Porque o bilheteiro é a pessoa que está em contato direto com os usuários do Metrô. 
          Assim, se ele tiver habilidade e simpatia no trato com o público, a imagem do Metrô será sempre muito bem aceita e elogiada por milhares de pessoas.  Por esta razão, a organização do Metrô tinha como proposta, investir em programas de valorização não só dos bilheteiros, mas de todos os profissionais do do Metrô.  E cada um por sua vez, no desempenho de suas funções, deveria manter sempre o foco de suas ações, na satisfação dos clientes. 

          Esta fórmula não tem mistério.  É simples: clientes satisfeitos  +  profissionais valorizados  = sucesso ou credibilidade da empresa.  Funciona em qualquer organização.

          Mas, se olharmos à nossa volta, vamos perceber que em muitas de "nossas empresas", a realidade é bem diferente;  a boa intenção filosófica até existe, reforçada com frases bonitas, mas que não são praticadas, e o lema da empresa fica esquecido num simples quadrinho pendurado na parede. Enquanto isso, em meio aos seus recursos humanos, acontece de tudo nessas empresas:  existem até alguns procedimentos (lamentáveis), que podemos catalogar, senão vejamos:

     - "Puxar o tapete" : alguém duvida, ou não sabe o que é isso?
     - "Livrar-se do macaco sobre os ombros" : omitir-se de uma responsabilidade e transferi-la para outrem.
     - "Acusar alguém de fazer terrorismo" : quando esse alguém preocupa-se em alertar ao patrão sobre os problemas que estão acontecendo dentro da sua empresa.
     - "Fingir que trabalha" : tem gente que até espalha propositadamente um volume muito grande de papéis sobre a mesa, no intuito de "parecer" que tem muito trabalho; são os chamados "Aspones".
     - "Fingir amizade para colher informações de mesquinho interesse" : cuidado com esses espertinhos, mas é fácil reconhece-los.
     - "Associar-se, cínica mente aos mais poderosos" : ou no popular; "puxar o saco"...
     - "Conversinhas de corredor" :  aquele famoso ti-ti-ti (que os patrões detestam).
     - "Fazer fofocas" : tem gente que faz, e nem percebe, não tem senso de autocrítica...

          Estou comentando este assunto de forma resumida, porque na verdade acontecem coisas muito mais graves dentro de qualquer empresa, seja ele de tamanho médio, ou de grande porte. (Já  ouvi outros comentários a respeito de outras empresas). Eu pessoalmente, tanto presenciei como vivi muitas situações desse tipo na Empresa onde trabalhei;  eu também fui vítima desses elementos perniciosos acima mencionados. 

          Felizmente sempre tive consciência do meu dever cumprido, e acho que afinal, o meu esforço foi recompensado.  Tive que caminhar por entre "cobras e lagartos" e sair praticamente ileso, apesar de algumas picadas.  Por isso eu aconselho a quem trabalha, principalmente se for numa Empresa de Transporte Coletivo: "Mantenha sempre um olho dormindo, outro acordado". Senão, "o bicho vai pegar"...

TRANSPORTE COLETIVO


concessões, tarifas e Prefeituras

          Muito se tem falado sobre o assunto dos ônibus municipais, sobre tarifas, e principalmente sobre a questão polêmica do "Transporte Alternativo", operado por Vans e veículos similares. Argumentos apaixonados a favor ou contra este tipo de transporte; algumas pessoas alegam que ele representa uma alternativa fonte de renda em tempos difíceis de desemprego, e que por isto se justificaria.


          Bem, nossa intenção neste "bate-papo" informal, é lançar uma luz sobre este assunto, se é que o mesmo ainda pareça nebuloso para muita gente. Você sabia, caro leitor, que temos 3 modalidades de transporte por ônibus, cada qual regulamentado por um órgão governamental?

          Quando se trata de ligações interestaduais, por exemplo, ou seja, quando o ônibus atravessa as fronteiras entre os Estados da Federação, estas linhas regulares e até mesmo os ônibus de turismo, são concessões federais.

          Quando se trata de ligações entre municípios dentro do Estado, como por exemplo, dentro do Estado do Rio de Janeiro, como Resende x Barra Mansa, o órgão concedente é o Detro, ligado ao governo Estadual.

          E por último, quando se trata de transporte em âmbito municipal, o órgão fiscalizador ou gerenciador são as Prefeituras.  No caso de Resende-RJ, é o Demutran, ligado diretamente à Prefeitura Municipal de Resende. As Empresas operadoras podem ser particulares, mas exploram linhas que são municipais, sob permissão da Prefeitura. 

          O chamado "Transporte Alternativo", pretendido pelos donos de "Vans", não deve prosperar em nosso município ou em outro qualquer, por vários motivos, desde o Código Nacional de Trânsito que o proíbe, mas principalmente devido a uma simples razão, qual seja, a tarifa.

          O que é uma tarifa de ônibus?  Como se chega ao seu valor?  Alguém sabe?  Já pensou nisto? Caso alguém ainda não saiba, uma tarifa de ônibus é uma simples "continha de dividir", como diria qualquer criança em idade escolar.

          Ou seja, divide-se o valor que custa um ônibus para rodar, pelo número de passageiros pagantes.  O resultado, é o valor da tarifa.  Mas o custo de uma frota inteira circulando pelas ruas, não é nada confortável.  Para que uma Empresa possa manter-se em funcionamento, cada ônjibus gera, em média 5 a 6 empregos diretos, entre motoristas, cobradores, despachantes, mecânicos, etc, sem falar em outros custos, como encargos sociais, impostos, combustível, pneus, peças, renovação de frota, entre outros.

          Quem paga tudo isto? Claro que quem paga, são os milhares de passageiros, usuários dos ônibus, através do pequeno valor de sua tarifa, cuidadosamente calculada. Quem paga a gratuidade dos estudantes? A gratuidade dos idosos? Dos portadores de deficiência física?  Resposta: tudo sai na tarifa. Tudo é levado em conta quando se calcula uma tarifa de ônibus. 

          Aqui, estamos apresentando o tema de forma bastante simplificada, mas estes cálculos são feitos obedecendo a uma metodologia própria, conhecida como Planilha de Custos.  Nada pode ser feito aleatoriamente.  Tudo deve ser embasado em coeficientes próprios, e documentado com notas-fiscais e outros documentos. Não existe mágica, existe um estudo sério.

          Neste contexto, em termos econômicos, as Vans só contribuiriam para um  aumento no valor da tarifa, já que o pesado custo operacional dos ônibus teria que ser repassado a uma quantidade menor de passageiros pagantes, ou seja, os passageiros que "sobrariam" para os ônibus.

          Esse tipo de transporte concorrente, não deve ser permitido, pois levaria o sistema a um caos total, e sendo que a Prefeitura é responsável pelo equilíbrio econômico e financeiro do sistema  de transporte que ela própria coordena ou gerencia.

          Importante lembrar também, que o Transporte Público obedece a um preceito Constitucional, senão vejamos:
     -  Compete aos Municípios organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou 
         permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que 
         tem caráter essencial (artigo 30);

     -  Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou 
        permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos (artigo 175).

          Para cumprir a determinação constitucional, é então necessário que as Prefeituras estejam adequadamente estruturadas para o controle ou gerenciamento do transporte coletivo urbano local.
UP TO DATE.


       

REPONE


Administração de uma empresa

          Era uma vez uma Empresa. Uma Empresa de médio porte, mas os seus dirigentes a tratavam como se fora uma grande Empresa. Aí estava um erro. Mas tudo bem, vamos ver o que acontece. 


          Havia muitos gerentes.  Quase todos engenheiros.  Engenheiro fulano de tal, doutor fulano de tal. Doutores, que por seus "status" tinham altos salários, e por isso mesmo não podiam trabalhar muito. Tinham que comandar.  As tarefas consideradas "mais simples", eram delegadas a pessoas de escalão inferior.

          Era comum, contratar pessoas, muitas pessoas para fazer todo o trabalho. Havia um gerente para cada setor.  E cada gerente fazia do seu setor um castelo.  Um castelo de muralhas intransponíveis.  Ninguém podia ataca-lo. A mais leve crítica era tomada como uma ofensa. 

          Mas a Empresa passava por momentos difíceis. Uma crise financeira das piores. A ponto de já não ter crédito na praça junto aos fornecedores.  Os credores, às dezenas, estavam todos os dias batendo na porta da Empresa querendo receber os seus créditos. 

          Os gerentes então decidiram: - Vamos fazer uma reunião. - Outra reunião? - sim, para ver o que podemos economizar.  Assunto do dia: medidas de contenção de despesas.

          Depois de muito "blá-blá-blá", chegou-se à conclusão de que a Empresa estava gastando muito com o cafezinho...  A conta do fornecedor de café já estava muito alta, e o consumo do mesmo continuava aumentando. - Que fazer?  Vamos cortar o café?... Os próprios gerentes, consumidores do cafezinho, sentiram que cortar o café não era uma boa medida.  Pegaria mal para a Empresa. Todo o mundo iria perceber que a situação não estava boa (Ora vejam só...).

          Eis que alguém teve uma ideia genial; não era preciso acabar com o cafezinho. - Não? - Não, vamos fazer o café aqui mesmo na Empresa. Cortamos o fornecedor de café, e eliminamos essa despesa.  O café, sendo feito na Empresa, vai sair muito mais barato.

          "Mas pera aí", tem um problema. A nossa quantidade de café é considerável, e é preciso mantê-lo quentinho.  Vamos ter que gastar com garrafas térmicas?  Hoje, nossas garrafas são de propriedade do nosso fornecedor de café.

          Mais discussões, e tiveram outra ideia genial; - vamos comprar uma máquina de fazer café. Daquelas que existem nos bares e restaurantes, e que armazenam uma quantidade razoável de café sempre quentinho a qualquer hora, já que a máquina fica ligada na eletricidade.  - Mas quem vai fazer o café? Quem vai lidar com essa máquina?

          Àquela altura, contratar mais gente, não estava nos planos.  Seria demais. - Chamem a faxineira.  Vamos dar essa atribuição a ela.  A faxineira ficará responsável em fazer o café duas vezes por dia, e está resolvido o problema.  Só falta agora, comprar a máquina. 

          Apertaram o gerente financeiro; temos que comprar essa máquina para diminuir nossa despesa com café... O gerente financeiro coçou a cabeça, pensou, pensou, mas como era fumante e também um contumaz consumidor de café, acabou assumindo a sua co-participação na ideia. Mas avisou: alguém vai ter que pesquisar preços e comprar uma máquina que não seja muito cara e que atenda à nossa necessidade.  - Chamem o Engenheiro RONI.

          O Engenheiro RONI ficou encarregado de descobrir os fornecedores de tais máquinas, analisar cada uma, fazer as cotações de preços, e apresentar o resultado na próxima reunião.  O Engenheiro RONI aceitou a incumbência, mas também avisou: - olha gente, essa tarefa é minuciosa. Isso leva tempo, e vou precisar pelo menos uns vinte dias para chegar a uma conclusão.

          Resultado: depois de quase dois meses de estudo da questão, finalmente uma gloriosa máquina foi aprovada por unanimidade e adquirida com um sacrifício enorme pela Empresa. Os gerentes trabalharam um bocado nessa ideia, pois enquanto esperavam pela máquina, a tônica das reuniões subsequentes era sempre a mesma: os gastos com café, com o pãozinho, com a água mineral e "otras cositas mas".

          Enquanto isso, os problemas maiores da Empresa continuavam pipocando por todos os lados sem que ninguém quisesse assumi-los, por não serem da sua alçada. 
"Todos enxergavam a pulga, mas não viam o elefante que estava atrás dessa pulga".
REPONE = Reunião de Porcaria Nenhuma (estória verídica, fatos realíssimos)



HISTÓRIA DE UMA EMPRESA


Auto Comercial Tupi Ltda

          Resende-Estado do Rio de Janeiro. Vamos contar a história da acensão e declínio de uma empresa de ônibus, Auto Comercial Tupi Ltda., ou simplesmente Viação Tupi, como era conhecida.
Sou testemunha ocular dessa história, que tantos benefícios trouxe para Resende, e muitos serviços foram prestados em colaboração participativa com eventos cívicos.


          O início: ... por volta dos anos de 1965 e 1966, o transporte de passageiros entre Resende e os distritos de Itatiaia e Engenheiro Passos, era feito por uma empresa concessionária estadual, denominada Turismo Itatiaia Lotações, de propriedade dos senhores Oscar Maia e Luiz Aguiar.  

          A frota era composta por um ou dois ônibus, e algumas lotações do tipo Kombi.  O escritório da empresa era localizado em Itatiaia, à margem da Rodovia Presidente Dutra, época em que esta rodovia só dispunha de uma pista em mão dupla. Posteriormente, com a construção da segunda pista, o terreno da empresa teria sido desapropriado. 

          ... Ao final de 1966 e inicio de 1967, duas situações afetaram a empresa que até então atendia aquele transporte distrital de passageiros; primeiro, a empresa não estava bem economicamente, e segundo, houve uma mudança na legislação estadual, fazendo com que o transporte se desligasse da esfera de atuação do Estado.

          A empresa perde consequentemente, a sua concessão estadual, por força do Decreto nº 12.778, publicado no Diário Oficial de 14 de janeiro de 1967, decreto este que estabelecia novo regulamento para as concessões e transferência de linhas.  O transporte agora, passaria para o controle e permissão da Prefeitura Municipal.

          Em Resende, o prefeito era então o Dr. Aarão Soares da Rocha.  A ocorrência destes fatos, ou seja, a precária situação econômica da empresa e a perda de sua concessão estadual, fez com que os seus proprietários desistissem do negócio, e fez também com que o município de Resende se encontrasse momentaneamente "desprovido" de um serviço essencial ao deslocamento da população dos distritos de Itatiaia e Engenheiro Passos.

          Surge a Tupi: foi então, que em fevereiro de 1967, os pioneiros Hildebrando Martini, Êneo Martini, Getúlio Martini, Helenio Martini, Fernando Marassi e Mário Hermes Marassi, resolveram criar uma sociedade, e fundaram a empresa AUTO COMERCIAL TUPI, uma Empresa de Transporte Coletivo Municipal, cujo requerimento de permissão foi prontamente deferido pela Prefeitura Municipal.

          O inicio da empresa Tupi, não foi nada fácil.  Foi um inicio marcado pelo amor à empresa criada, e marcado pelo esforço e muita dedicação de seus colaboradores.  A operação das linhas começava às 05:00 h da manhã, e encerrava seu último horário às 00:30 h (meia noite e meia).

          Motoristas e cobradores de ônibus se revezavam entre horários escalonados, pois não havia muitos funcionários e não havia muito tempo para o serviço de revisão e manutenção dos veículos, e também não havia ônibus reserva para suprir uma eventual paralisação de qualquer veículo. 

          O expediente era ininterrupto, trabalhando sábados, domingos e feriados, empre acompanhado pelos seus diretores, com auxilio de alguns poucos funcionários abnegados (inclusive eu estava entre eles), tanto na administração como na manutenção.

          A frota era composta de apenas 4 veículos, e as instalações eram precárias.  Faltava estrutura na garagem, na oficina e no escritório, mas sobrava vontade de vencer.  A sede da empresa localizava-se em frente à Estação Rodoviária Augusto de Carvalho, numa garagem alugada. 

          Mas, pouco a pouco, ao longo de algumas décadas, a situação foi melhorando, e nesse espaço de tempo, ocorreram várias alterações e mudanças na sociedade, mas a empresa continuava próspera e com excelente situação econômico-financeira. Apesar disso, seus donos resolveram vender essa empresa, objetivando outros investimentos na praça do Rio de Janeiro.

O Declínio: em 1994, a empresa foi vendida para um grupo de Volta Redonda, ou seja, o "Grupo Agulhas Negras", mas essa nova administração foi um fracasso; durou até o inicio do ano 2000, quando finalmente sucumbiu.

          A empresa não suportou o volume de dívidas acumuladas.  As financeiras entraram com vários processos de busca e apreensão de veículos, o INSS também autuou a Empresa, e os funcionários inclusive eu, ficamos sem receber nossos salários.

          Finalmente, a Empresa fechou as portas, e os processos Judiciais continuam vigentes, se arrastando até hoje, com a lentidão da Justiça.  Uma lástima, mas enfim "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu".  Guilherme Köhn.
Empresa de Ônibus




MODA CAIPIRA



          ..."Em riba do espêio pindurei o arreio, lari-larai, lari-larai"... Estes versos, ficaram gravados na minha memória.  Eu os trago comigo, desde os tempos de criança.  Já faz mais de 40 anos. E assim como nunca esqueci destes versos, também jamais concordei com a sua construção...


          Ouvi estes versos, cantados por uma dupla de violeiros e cantadores, que se intitulavam "Canário e Canarinho".  Não me lembro direito da música, nem da letra completa; apenas destes versos.  Outra fala que me lembro, é a seguinte:

          - "Queridos ouvintes, o bom dia do Zeca"...
          - "E o bom dia do Zequinha"...
          - "Nóis vamos apresentá, de nossa própia autoria, uma musga que trais por título, 
             Jardim sem Flor... ( ?!!! )

          Esse maneirismo, essa fala decorada, já desgastada pelo tempo, era muito comum em programas radiofônicos que transmitiam as apresentações (ao vivo), de duplas sertanejas.  Talvez ainda seja comum até hoje, nas Emissoras de rádio por esse Brasil afora, mais do que a gente possa imaginar.

          Mas, como eu dizia, este assunto me faz voltar no tempo.  Tudo ainda está diante dos meus olhos, na minha lembrança.  Recordo que na minha pequena e querida cidade de Passa Quatro-MG, as apresentações de violeiros e cantadores eram frequentes na emissora de rádio que lá havia: a Rádio Clube de Passa Quatro. Acho que vem de lá, o meu gosto pela música sertaneja.

          Esse tipo de música sobrevive através dos tempos, pela força de sua expressão. Mas há uma diferença que se faz sentir entre música Sertaneja, e a "Moda Caipira", propriamente dita.  A música sertaneja, é feita com versos muito bem construídos, e possui uma boa qualidade musical; a moda caipira, é feita por gente muito simples, na maior das vezes semi-alfabetizada, e deixa muito a desejar em termos de linguagem, construção de versos e qualidade musical.

          As duplas caipiras, como invariavelmente acontece, insistem apresentar músicas de sua "propia autoria".  Com certeza, aí está a razão da sua rejeição, com raríssimas exceções.  O caipira comete certas ingenuidades que o tornam hilário, desde a letra de suas músicas, o nome da dupla, ou por exemplo, escrever na aba do seu chapéu de palha o nome de cada componente da dupla de violeiros cantadores.  Isso é o cúmulo da caipirice.  (vejam a foto acima).

          Por isso eu digo que música ou dupla sertaneja é uma coisa, e dupla caipira é outra.  Duplas sertanejas existem poucas.  Duplas Caipiras existem muitas; centenas, talvez milhares. 

          A propósito, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse certa vez, que o povo brasileiro era caipira, e foi muito criticado por isso.  Posteriormente ele se justificou, dizendo que sua intenção não era ofender, e que ele próprio se considerava um "caipira".

          Assim como o nosso ex-presidente, eu também digo que sou um caipira.  Nasci caipira, mas não gosto de caipirices.  Inclusive,  até já desacostumei de falar: UAI !...


         

         

O COIÓ


garotinho tolo

          Coió, é uma palavrinha espirituosa; parece gíria, mas existe de fato.  Alguns dicionários a registram com o significado de menino tolo. Vou contar uma estória lá da minha cidade, da minha saudosa e e bela Passa Quatro-MG.


          ... Era uma vez um menino.  Seu nome era Luiz.  Não se lhe conhecia o sobrenome, pois todos o chamavam apenas de  LUIZ.  Ele não tinha nem mesmo um apelido, como era comum a tantas outras crianças da sua idade.

           Luiz tinha 10 ou 11 anos, e possuía alguns traços marcantes: cabeça grande, sobrancelhas negras e espessas emendadas uma à outra sob a testa;  uma expressão jocosamente caipira.  Parece que fora caracterizado ou produzido para participar daqueles folguedos juninos.  Mas não, estas eram suas feições naturais, e não obstante, a sagacidade e as brincadeiras das outras crianças, lhe pouparam o desconforto de uma alcunha injuriosa.

          Na bucólica cidadezinha onde morávamos, um rio separava a cidade do campo.  Era o rio Passa Quatro.  A cidade crescera ocupando a margem esquerda do rio, e na margem direita, via-se apenas alguns casebres, e os terrenos de uma fazenda.

          Margeando o rio, havia também uma estreita estrada de terra.  O Luiz\ morava no campo, num daqueles casebres que formavam a paisagem.  Bastava-lhe atravessar uma ponte de madeira sobre o rio divisório, caminhar uns cem metros, e já estava na cidade.  Esse trajeto, não demorava mais que 10 minutos de sua costumeira caminhada.

          Aos domingos, eu costumava passar boa parte do dia, pescando à beira daquele rio.  Era um rio pequeno, de corredeiras rasas, mas embaixo daquela ponte, formava um volume d'água, semelhante a uma lagoa, que a gente chamava de poço fundo.  O local era ótimo para uma pescaria, e o rio era rico em pequenos peixes.

          O Luiz, sem ter algo para fazer objetivamente, também passava boa parte do dia como "barata tonta", ou seja, atravessando a ponte sobre o rio, de um lado para outro, no trajeto de sua casa para a cidade, e vice-versa:
          - Aonde você vai, Luiz?
          - Vou para a cidade.
          - Fazer o que?
          - Nada...
          - Ôoh, Luiz! Aonde você vai?
          - Vou para casa.
          - Fazer o que?
          - Nada...

          Do sossego da minha pescaria, eu observava o garoto;  me parecia sem nexo suas idas e vindas, de lá prá cá,  de cá prá lá... e para nada?... (?) - Podia-se repetir mil vezes aquelas perguntas, que as respostas do garoto eram invariavelmente as mesmas.

          E cada vez que o Luiz passava por ali, cruzando a ponte, ele também fazia suas perguntas sempre repetitivas:
          - Pegou "ARGUM?" (Ele queria saber se eu havia fisgado alguns peixes).
          - Sim... (eu respondia).
          - "Deixa eu ver?" (Eu lhe mostrava uma fieira de peixes, e ele se dava por satisfeito);
          - AAHH !...

          Na ida para a cidade, ou de volta para sua casa, naquele vai e vem, o Luiz queria saber: "pegou argum?";  "deixa eu ver?"...
Certa vez, acho que eu não estava muito bem humorado, e antes que ele me perguntasse, "pegou argum?", fui logo respondendo:
          - "Argum" não peguei não, ôoh, Chico Bento, peguei foi lambari, mandi, timburê...
          - "Deixa eu ver?"
          - A cobra comeu...
          - AAHH !...

           O garoto era tão chato e tolo, que até esta estória ficou parecida com ele; assim, meio coió, sei lá...

       



QUASE UM SEMINARISTA

          Em frente ao Ginásio São Miguel, em Passa Quatro-MG, havia um Seminário dos padres da Congregação Belo Ramo.  Posteriormente, as instalações desse Seminário foram utilizadas para dar lugar ao Colégio Técnico Industrial. O Seminário foi desativado, ou transferido talvez para outra cidade.


          Mas, quando esse Seminário funcionava como tal, era destinado a acolher aqueles estudantes que tivessem ou postulassem a "vocação sacerdotal".  E foi assim, que eu "quase" virei um seminarista, ou noviciado.  Mas, há uma estória que preciso contar, pois n~´ao foi exatamente a minha vontade.

          Vamos à estória (verídica): ... no Ginásio São Miguel (colégio), havia um padre que era muito meu amigo;  ele se chamava (ou se chama, pois não sei por onde anda esse padre, se ainda está vivo, Deus queira que sim).  Mas, como eu ia dizendo, esse padre era o Antonio Scarpa (família de Itanhandu), era professor de francês no Ginásio.  

          Ele gostava muito de cinema, e no Ginásio São Miguel havia um projetor de filmes 16 mm.  O padre Scarpa, resolveu então ativar o cinema, que se encontrava parado havia muito tempo.  Para isso, fez um convênio com uma distribuidora de filmes de aluguel.

          Essa distribuidora enviava então uma "batelada", ou seja, uma grande quantidade de catálogos de filmes, para que o Ginásio escolhesse e encomendasse os filmes desejados.  Cada catálogo era uma sinopse (resumo) do filme.  Era trabalhoso ler cada resumo de cada filme.  Demandava tempo.  E eu ajudava o Pe. Scarpa nessa tarefa, pois eu também gostava de cinema, e para mim, não era trabalho nenhum, eu gostava de ficar sabendo da estória ou do enredo de cada filme. 

          A escolha do filme a ser encomendado para o Ginásio ficava a meu critério, e tinha que ser escolhido meticulosamente, porque havia uma restrição;  a sociedade da época, era muito conservadora, e um colégio de padres não podia exibir qualquer filme; por exemplo:  se houvesse muitas cenas de beijos, não podia.  Tinha que ser rejeitado.

          Eu me lembro, que selecionei vários filmes, e um deles, era o "Hatari", um filme com John Wayne, que contava uma aventura na África selvagem, muitos animais, etc.  Bem, devido a essa minha dedicação,  o Pe. Scarpa ficou meu amigo, e queria me ajudar de alguma forma.  Ele insistia e insistia muito, para que eu ingressasse no Seminário anexo ao Ginásio, e me tornasse um seminarista .
          A proposta dele era: "você fica aqui neste Seminário por 2 anos, se preparando, e depois você vai para Belo Horizonte, e lá estuda por 4 anos.  Após esse período você poderá ir para outro país: Itália ou França". (ele próprio tinha ido para a França). Ou, poderia ser outro país qualquer, onde houvesse uma ordem dessa mesma congregação.

          Esses estudos eram todos gratuitos.  Eu não teria nenhuma despesa.  Eu penso que o Pe. Scarpa queria me encher os olhos, com viagem para o exterior, por exemplo.  Mas, no fundo, eu não queria isso.  Eu nunca havia pensado em me tornar padre, não era minha vocação.

          Mas, devido a sua insistência, eu comecei a frequentar o Seminário, e estudar o que me mandavam, ou o que era preciso.  Mas eu não fui sozinho: junto comigo ingressaram mais 5 alunos, comigo 6; mas, desses seis apenas um continuou seus estudos, e não sei se de fato chegou a tornar-se um padre.  No meu caso, quando eu estava perto de completar 3 meses, eu desisti, e abandonei o Seminário.  Eu não havia ingressado ali por minha livre vontade, mas sim, por livre e espontânea pressão do Pe. Scarpa.

          A vida, ou a frequência no Seminário, era uma chatice.  O Seminário era todo cercado de muro.  Por dentro, havia uma Capela, várias salas, e um corredor comprido formando um quadrado contornando o pátio central, gramado, onde saltitavam coelhos de orelhas compridas.  Eu tinha que ficar todos os dias andando, por esse corredor, lendo um livro, que nada mais era do que o Novo Testamento.  A orientação, era de que eu praticamente teria que decorar esse livro, pois quando chegasse o momento (da minha transferência para Belo Horizonte), eu teria que estar muito bem preparado. 

          Confessar e assistir às missas, era obrigatório.  Justamente o que culminou com a minha desistência do Seminário, foi o ato da confissão, que era assim frente a frente com o padre confessor. Havia ali, nesse Seminário, um padre já meio idoso, que se chamava Pe. Eduardo (acho que o seu sobrenome era "Ivel", de origem estrangeira, francês, não sei ao certo). 

          Bem, eu fui me confessar com o Pe. Eduardo.  Mas eu não sabia o que contar, pois eu passava a maior parte do tempo, ou no Ginásio São Miguel, ou no interior desse Seminário, na parte da tarde.  Dormir, eu dormia em casa mesmo.  Eu estava numa fase de treinamento.  Como eu não sabia o que contar para esse Pe. Eduardo, eu "inventava" pecados que eu não havia cometido, ou seja, pecadinhos bobos, como: "eu fui ao cinema escondido"...

          Quando eu disse isso, o bom e velho padre achou uma graça tremenda, e começou a rir, assim como faz o Papai Noel: Ho, Ho, Ho!  Ele começou a rir, e eu fiquei sério, me sentindo assim como se diz: "pê da vida", porque ele estava rindo de mim.  Então eu disse ao velho padre: _ Sabe padre, o meu maior pecado é que eu não acredito nada do que estou aprendendo aqui..."

          Nossa!  Desta vez, foi o padre que ficou sério, e me mandou imediatamente ir para a Capela, ajoelhar e fazer um exame de consciência (praxe antes da confissão), e depois disso, voltar para fazer a minha confissão. Saí dali, daquela sala, fui até o portão de saída do Seminário, e... "me mandei",  nunca mais quis saber de "virar padre".

          Algum tempo depois, eu me arrependi de ter respondido daquela maneira para o bondoso e velho padre Eduardo, porque na verdade, eu tinha uma boa formação religiosa até aquele momento.  Mas, o que aconteceu, foi um momento de rebeldia de minha parte, porque eu não estava me sentindo bem ali, pressionado a aceitar tanta coisa que era contra minha vontade. 

          Não sei bem como explicar, mas é verdade que naquele momento sim, eu cometi um pecado de verdade, por pensamento palavras e obras.  Por minha culpa, minha máxima culpa.  Até hoje me arrependo.  Mas, eu só posso pedir a Deus que me perdoe.  Arrependido estou.
Seminário Belo Ramo

PADRE MICHEL

          O Padre Michel foi um grande mestre ao Ginásio São Miguel, de Passa Quatro-MG.  Ele era professor em várias matérias: Francês, Latim, Desenho, Canto Orfeônico (que depois foi abolido como matéria).  O Pe. Michel entendia de música, e mantinha um coral sob sua direção e regência: um coral formado pelas meninas, alunas da Escola Normal, colégio dirigido por freiras (INSA-Instituto Nossa Senhora Aparecida), e rapazes, alunos do Ginásio São Miguel, colégio dirigido pelos padres da Congregação Belo Ramo.


          Na capela do Ginásio São Miguel, ele tocava órgão (músicas sacras), durante as missas que eram frequentes naquele educandário católico. Além de Professor e músico, o Pe. Michel também era fotógrafo, e todas as fotos dos alunos do Ginásio (fotos 3 x 4) era ele quem tirava e processava (revelava) no laboratório fotográfico do Ginásio. 

          Além disso, também tirava fotos de todos os eventos que aconteciam envolvendo os alunos, tais como futebol, formaturas, reuniões da UEC (União Estudantil Católica).  Não bastando todas essas atividades, era também o tesoureiro do Ginásio, encarregado de receber as mensalidades dos alunos internos e externos (**).

          O Pe. Michel era de nacionalidade francesa, mas falava o português com perfeição, sem qualquer sotaque característico de pessoas estrangeiras.  Nas suas aulas de francês, ele falava da França com muito orgulho, como se fosse para ele, um país maravilhoso, o melhor do mundo.  Ele exaltava as regiões da França, como L'Ile de France, La Normandie, La Bretagne, etc. 

          Ele falava de todas as diferentes regiões e o que elas produziam, como vinhos, perfumes (os melhores do mundo), falava de um monumental aqueduto construído pelos Romanos, etc.  

          O Pe. Michel também dava aula de religião, mas não era de mentalidade muito aberta, como o Pe. Domingos.  Não.  Ele se prendia muito à Bíblia, e gostava de ensina-la aos seus alunos, sem entrar muito em assuntos polêmicos, ou mais aprofundados. 

          Uma certa vez, ele ensinava o seguinte: era sobre a estória de Abel e Caim.  Pela minha lembrança, era mais ou menos assim: ... naqueles tempos bíblicos, era costume oferecer a Deus sacrifícios, ou seja, um animal (ovelha) era abatido e ofertado a Deus, sobre uma fogueira ardente. As oferendas ou sacrifícios de Abel eram sempre aceitos por Deus, mas as oferendas de Caim, Deus não aceitava, e isso provocou ciúmes entre os irmãos Caim e Abel, e que culminou com Caim assassinando Abel.

          Eu me lembro de que perguntei ao Pe. Michel, como é que eles (Caim e Abel) sabiam que Deus aceitava ou não aceitava esses sacrifícios ofertados, tendo em vista que Deus não era uma pessoa, mas sim, de natureza espiritual, como a gente já tinha aprendido. 

          Bem, o Pe. Michel me deu a seguinte explicação: quando um sacrifício (oferenda) era aceita por Deus, a fumaça da fogueira subia aos céus, e quando não era aceita, a fumaça se espalhava. Seria verdade?  Onde é que estava escrito isso?  Mas na verdade, naquela ocasião, eu não tive mais argumentos diante dessa resposta.  Aceitei, porque o Pe. Michel assim justificou.  Mas se fosse hoje, eu diria, como aquele personagem da Escolinha do Professor Raimundo: "Há controvérsias..."  Mas deixa pra lá, isso já passou.  Estou apenas recordando um momento que ficou na minha lembrança.

          Mais tarde, o Pe. Michel assumiu a Paróquia de Passa Quatro, com a morte do Monsenhor Olavo Magalhães Caminha.  Pelas suas qualidades e versatilidade, pode-se reconhecer que de fato, o Pe. Michel era um homem inteligente, grande professor, e que deixou saudade em todos aqueles que foram seus alunos.  Deus faz maravilhas através de homens como o Pe. Michel, e por isso, ele será abençoado, onde ele estiver, o saudoso mestre, professor e amigo, Pe. Michel. 

          (**) Uma observação: eu mencionei alunos internos e externos: isto porque naquele tempo era assim; esses Colégios, tanto o Ginásio São Miguel como o INSA (Colégio de freiras), funcionavam como internatos, havia alunos de muitas cidades do Sul de Minas, como: Maria da Fé, Pedralva, Lavras, Virgínia, Bocaina de Minas, Minduri, e tantas outras.  Não só de Minas, como também do Rio de Janeiro e Angra dos Reis. Os alunos de Passa Quatro, eram todos externos, porque moravam na cidade, e não precisavam de internato.  E para controlar essa grande quantidade e variedade de alunos, haviam muitos regulamentos que eram rigorosamente observados pelos alunos.  
(Foto: Padre Michel junto com as alunas do INSA - Passa Quatro-MG.  Ao fundo, alunos do Ginásio São Miguel; integrantes do Coral).
Coral do INSA e Ginasio S. Miguel



PADRE DOMINGOS


Religião

          Revmo. Pe. Domingos, Diretor e Professor do Ginásio São Miguel.  O saudoso padre Domingos, era carinhosamente chamado de "Domingão".  Ele não ligava.  Esse aumentativo, devia-se ao fato de que ele era muito severo com seus alunos mais confiados ou desobedientes.  O Domingão era severo e bom camarada ao mesmo tempo.  Sabia levar a bom termo essa duas qualidades.


          O Pe. Domingos era um grande professor de História.  História do Brasil e História Geral. Ele não usava livros para essa matéria.  Estava tudo na sua cabeça, como se esta fosse um computador. Qualquer dúvida sobre essa matéria, era só perguntar ao Pe. Domingos.  Suas aulas pareciam um teatro, ou então um filme de cinema.

          Parecia que a gente estava vendo as imagens.  Ele falava de uma forma eloqüente, e gesticulava, prendendo a atenção dos alunos.  Ao final de cada aula, os alunos estavam todos entusiasmados, repetindo gestos, e fazendo a saudação: Heil Hitler!  Isto, quando o Pe. Domingos descrevia ou narrava os acontecimentos desta parte da história, ou seja, dos horrores da 2ª Guerra Mundial.  Mas era muito legal.  Nunca houve professor igual.

          Mas ele não era professor só de História.  Ensinava também religião. Era matéria obrigatória no Ginásio São Miguel.  Mas, as suas aulas de religião, também eram diferentes.  O Pe. Domingos tinha uma mentalidade aberta, e não se prendia apenas aos dogmas que todos já conheciam.  Não. Ele ensinava, por exemplo, que a terra tinha milhões e milhões de anos, ou como ele mesmo dizia: - "Quá-quilhões de anos, como diz o Tio Patinhas"  (Ele fazia alusão divertidamente, ao personagem do desenho animado de Walt Disney). 

          E dizia também, que o homem pode muito bem ter sido produto de uma evolução, como dizem os cientistas paleontólogos em teoria.  A estória bíblica de Adão e Eva, dizia, é apenas uma forma poética, alegórica, para dizer que Deus criou o homem.  Adão e Eva nunca existiram como personagens históricos, mas representam o caráter psicológico do homem desde o seu aparecimento na terra até hoje.  O Pe. Domingos fazia uma comparação do homem pré-histórico, com o personagem "Brucutu", cujas estórias em quadrinhos daquela época, cujas revistinhas eram muito populares. 

          Depois, mais seriamente, defendia os preceitos morais e bons costumes que deveriam ser observados em relação do nosso próximo.  Ele dizia, que todo trabalho ou serviço, deve ser remunerado.  E, defendia a Igreja, quanto algumas críticas que diziam ser o ministério dos padres, "um meio de vida". 

          Ele dizia que a Bíblia poderia ser um simples romance, ou um tratado de psicologia do comportamento humano, e que a sua correta interpretação, continha maravilhosos ensinamentos e respostas para todas as questões que afligem a humanidade.  E que os padres tinham o dever de prestar esse serviço, de orientar àqueles que buscavam um sentido para a vida, através da religião.

          Às vezes, o Pe. Domingos colocava uma questão comum da nossa vida, para discussão em plena sala de aula, pelos alunos.  Uma questão, por exemplo, envolvendo pessoas da nossa família. O que pensavam sobre as regras de conduta, ou quando alguém abusava da confiança em relação às nossas irmãs solteiras.  Cada um defendia suas ideias.  Já não me lembro com detalhes sobre essas discussões, mas no final, o Pe. Domingos apresentava o ponto de vista, não só dele próprio, mas também segundo os preceitos morais vigentes e segundo o que dizia a religião. O livre arbítrio do homem, é que decidiria seu próprio destino, dizia.

          Enfim, eram questões de uma profundidade muito grande, difícil às vezes de entender.  Mas era um ensinamento diferente de uma aula de religião comum.  Esse Pe. Domingos tinha energia, conhecimento e sabedoria.  Que saudade desse homem!  Hoje não há, aquele que foi aluno desse professor, capaz de dizer que não gostava de suas aulas. O Pe. Domingos, tenho certeza, está vivo e presente na memória de todos os seus ex-alunos.  Está até hoje, e sempre estará.
(Na foto acima, o Pe. Domingos, Pe. Joaquim, Pe. Michel e Pe. Geraldo, professores do Ginásio São Miguel, em Passa Quatro - MG.)



       


A LÍNGUA PORTUGUESA


Ginásio São Miguel

          Hoje em dia, qualquer criança em idade escolar, diz tranquilamente que estuda matérias como Português, Matemática (e outras).  Mas, não foi sempre assim, com relação aos nomes das matérias. No meu tempo de escola primária, no Grupo escolar Presidente Roosevelt, lá em Passa Quatro-MG, eu estudava Linguagem e Aritmética, e havia também um caderno de pontos.


          Esses nomes significavam Português e Matemática, e pontos de História e Ciências.  Estudava-se também Religião, como matéria.  Depois, mais adiante, no 3º e 4º ano primário, a matéria "Linguagem" passou a chamar-se "Língua Pátria".  Depois do primário, havia um curso de Admissão ao Ginásio, que tinha duração de um ano.  Era uma espécie de curso vestibular para admissão ao Ginásio. 

          Bem, estas são apenas algumas lembranças nostálgicas.  Mas agora, o enfoque desta breve reflexão, é para ressaltar algumas questões da nossa querida Língua Portuguesa.  No Ginásio São Miguel, colégio de padres de Passa Quatro, tivemos vários professores de Português, ou da nossa "Língua Pátria" (nome bonito esse).  Mas uma lembrança marcante, foi a do Padre Joaquim Soares, professor de Português.  Algumas pinceladas de suas aulas merecem ser lembradas:

          1) Uma frase: " passe-me o anserino cálamo e o etiópico licor ". Essa frase, segundo o nosso 
               querido Pe. Joaquim, foi dita por Rui Barbosa (um "crânio" da língua portuguesa).  E o 
               significado na linguagem atual, seria: " passe-me a caneta e a tinta para escrever ".  
               Explicação: na época de Rui Barbosa, escrevia-se com uma caneta feita com pena de ganso,
               e necessitava de um vidro de tinta para molhar a pena e escrever.  A tinta era importada da
               Etiópia, e daí a expressão, "Etiópico Licor".  Anserino, vem de ganso, e cálamo significa                      pena de ganso, ou seja, anserino cálamo, ou caneta de pena de ganso.

          2) Agora, uma estória: ... ... um homem, aproxima-se de um caudaloso rio, onde está um velho
              muito humilde, com seu cãozinho e sua canoa, pronta para cruzar o rio à outra margem.  O
              homem, recém-chegado, cheio de si, e com ares de superioridade, fala o seguinte:  -                            "Quanto queres para me transportar deste polo ao outro extremo?"  Mas o velho da                    canoa não entendeu nada do que aquele arrogante sujeito dissera.  E respondeu simplesmente:
             "O cachorrinho não morde não senhor"...  e entrou na canoa com seu cãozinho e foi se                          afastando.  O sujeito arrogante vociferou: - "Oh! Mísero barqueiro, dar-te-ei uma                            porrada no alto da sinagoga, reduzirei tuas massas cefálicas e o enviarei às regiões                        cadavéricas"...
             O canoeiro outra vez nada entendeu do que o sujeito acabara de dizer, e continuou tranquilo
             a sua travessia do rio.

          Bem, esses dois comentários é só para enfatizar que a nossa língua portuguesa é muito rica, e as expressões usadas pelos personagens citados, (Rui Barbosa e o sujeito arrogante), são expressões verdadeiras, apesar de não estarem mais em uso.  Elas existem, e poderão ser usadas, caso se façam necessárias.  Muitas outras expressões existem, não tão arcaicas talvez, mas modernas, e que a gente às vezes desconhece. 

          Os advogados são mestres na utilização de palavras muito eloquentes, ou expressões significativas do latim.  A propósito, em 2015 o nosso então político Michel Temer mandou uma carta para Dilma Roussef, iniciando com uma expressão em latim: "verba volant, scripta manent"  que significa: "as palavras voam, os escritos permanecem".  Mas, voltando ao padre Joaquim, certa vez ele mandou que os alunos fizessem uma redação com o tema "Um dia Aziago".  Os alunos tiveram que descobrir o significado dessa palavra, "aziago" para fazer a redação.

          Eu fiz a minha redação, da qual me lembro até hoje, e descobri naquela época, que "aziago" significava mau agouro, um dia de azar. Outra vez, esse mesmo professor, nos deu um texto onde aparecia a expressão "sói acontecer", e naquela época, essa expressão também nos era desconhecida, mas ele nos ensinou que se tratava de uma expressão muito simples, que quer dizer: "costuma acontecer".  Hoje eu sei, que essa expressão às vezes é utilizada por advogados, na redação de seus processos. 

          Temos que amar o nosso vernáculo, para que possamos descobrir muitas e muitas palavras e expressões que nos poderão ser úteis.  Amo a língua portuguesa.



MARIAS E JOSÉS

          Pode ser puro saudosismo de minha parte, relembrar certas coisas de antigamente.  Mas eu guardo boas lembranças dos velhos tempos, desde velhos amigos, a outros detalhes bastante interessantes.  Lembro por exemplo, da minha primeira escola.  Foi no Grupo Escolar Presidente Roosevelt, onde as professoras eram verdadeiras sacerdotisas da educação.


          Lembro também, do meu primeiro dia de aula: havia muitas crianças matriculadas, e sendo assim, o 1º ano foi dividido em 2 turmas, em duas salas diferentes.  A escola era muito rigorosa em termos de regulamentos.  Todos os dias, os alunos tinham que entrar em forma.  Parecia um colégio militar; ordinário, marche!

          Tínhamos que formar filas de dois em dois alunos, à distância de um braço, ou seja, cada aluno colocava sua mão direita no ombro do colega à sua frente, apenas para medir uma distância uniforme. Depois, cantávamos hinos pátrios.  Mas o detalhe curioso, era com relação aos nomes das crianças. Como havia Marias e Josés.  Havia dezenas.  Para mim, era enfadonho, à hora da chamada. 

          Todos os dias a Professora declinava o nome de cada aluno, pela ordem alfabética. Quando chegava nas letras "M"  e  "J",  parecia que não acabava mais:  Maria José; - presente...  Maria Helena; - presente...  Maria Rita; - presente...  Maria da Penha; - presente...  Maria do Socorro; - presente...  Maria Inês; - presente...  Maria Aparecida; - presente...  e assim por diante...  

          Para o nome José, era a mesma coisa:  José Benedito; - presente...  José Eustáquio; - presente... José Carlos; - presente... José Maria; - presente... José, José  e  José;  havia tantos que nem me recordo de todos.  Claro que também havia alguns nomes raros, como por exemplo: Herminária, Deusdedit, Teobaldo, Gervásio, etc, mas eram poucos. 

          Tenho a impressão de que naquele tempo, dava-se preferência para os nomes Maria e José, quiçá por uma influência religiosa, afinal, todos queriam ter o nome dos pais de Jesus.  Hoje, a preferência é para nomes diferentes, como por exemplo, Miguel Arcanjo, Dimitri, Sebastian, Patrick, Igor, Hérica, Eneida, Letícia, Lucrécia, etc.  Basta observar os nomes dos personagens das novelas de televisão.

          Recentemente, "sem querer querendo",  eu ouvia o papo de uma escurinha no interior de um salão de cabeleireiros;  a escurinha era manicure, e conversava com a freguesa, dizendo: "eu dei o nome na minha filha de Milady.  O escrivão do Cartório não queria aceitar, dizendo que isso não era nome.  Eu disse a ele: é nome sim, eu ouvi na televisão e gostei tanto... Eu quero registrar minha filha com esse nome: é Milady".

          Bem, não sei como o tal escrivão teria registrado a criança. Talvez ele tenha aportuguesado esse nome para Mileide, atendendo ao desejo da mãe.  Antigamente, principalmente nos tempos bíblicos, cada nome tinha um significado.  Como por exemplo: Jesus, que significa aquele que era o enviado de Deus:  Abraão, que significava pai da humanidade...

          Não sei porquê, mas cada nome parece ter certa influência na vida de cada um.  Os antigos acreditavam muito nisso.  A propósito, a minha avó já dizia: - "todo João é bobo e todo Pedro é louco..."  Naturalmente, que isto não deve ser levado muito a sério, mas a vovó tinha razão.  Em cada um destes nomes, há um "quê" de bobeira e de loucura.  Certa vez, minha sobrinha queria batizar o seu filhinho recém nascido, de João Pedro.  Eu lembrei da minha avó, e disse a ela: - "Oh coitado! Não faça essa maldade com a criança..."  Ela quis saber o porquê.  Eu pensei, pensei, e disse: bom, deixa prá lá...

          Sugiro, (não é nome japonês), que cada um procure saber um pouco do seu próprio nome através do seu horóscopo pessoal, e da numerologia do nome.  Caso conveniente, tratem de mudar a sua forma de expressão.  Aliás, é o que fazem os nossos artistas de televisão, não é mesmo? 
"Meu eu morre a cada instante, e na transmutação se revela o eterno..."  (Chuan Tsé)
Primeira Comunhão

(Foto: primeira comunhão realizada no Grupo Escolar Presidente Roosevelt: crianças do 1º ano primário - ano: 1957)

JULINHA


Grupo Escolar Presidente Roosevelt

          Vou contar uma outra estória, que tem inicio nos meus tempos do Grupo Escolar Presidente Roosevelt, em Passa Quatro-MG. Foi lá pelos idos e bons tempos dos anos 1958, 1959.  Eu me lembro, "tudo está ainda diante dos meus olhos"...  Eu tinha 9 anos de idade, e estava no terceiro ano do curso primário.  Na minha sala de aula, muitos alunos e alunas, nessa mesma faixa etária.


          Na hora do recreio, meninos não se misturavam com meninas.  Haviam pátios separados.  Mas, todos os dias, ao final da aula, os alunos deixavam o Grupo Escolar, e saiam caminhando pela rua, para suas casas. As crianças iam sozinhas.  Nenhum pai ou irmão tinha carro nessa época para levar as crianças. E a caminhada de volta para casa, era tranquila.  Igualmente, as Professoras também iam a pé de volta para suas casas, era tudo muito natural.

          Era comum também, ver uma Professora rodeada de crianças, principalmente meninas, caminhando juntas num cortejo até gracioso,  em direção às suas respectivas casas.  Na minha sala, ou na minha turma, também acontecia o mesmo.  E eu, às vezes, me juntava a esse cortejo, e seguia junto com as meninas e a Professora, nessa caminhada de volta para casa, mas no meu caso, era por um motivo especial:  nesse grupo de alunos e alunas acompanhando a Professora, havia uma menina, que eu achava muito, mas muito bonitinha... Ela se chamava Julia, e todos a chamavam de "Julinha". 

          Eu só olhava para ela, admirando-a, mas parece que ela nem me notava.  Era apenas uma admiração, eu achava que a Julinha era a mais bonitinha da Escola. Éramos todos crianças, e namoro, nunca passou pela minha cabeça nessa idade.  Eu só olhava, nada mais. Que menina bonita, a Julinha. A mais bonita da Escola.
Estórias de Passa Quatro

           Mas o tempo passa implacavelmente, e nossas vidas tomam rumos diferentes.  Dando um saldo no tempo, agora estamos no ano 2001, e eu, há muito tempo, deixei para trás a vida tranquila e bucólica de Passa Quatro.  Mas, o destino me trouxe neste ano, duas surpresas; uma triste e outra alegre, assim simultaneamente, e no mesmo dia.  Vou contar como aconteceu, foi assim: 

          Meu tio Carlos, já havia falecido desde algum tempo, e agora, sua mulher, de nome Zafiriça Papadoplo (ou popularmente Paparuna, como era conhecida), coitada, morreu.  Ela já vinha sofrendo com problemas de saúde.  Bem, é a vida.  Deus assim determinou.  Eu saí de Resende onde agora tenho minha residência, para ir ao seu enterro, lá em Passa Quatro.  

          Mas, eu me atrasei um pouco na viagem, e quando lá cheguei, ela já se encontrava dentro de um caixão, na Igreja Matriz da cidade, e a missa de corpo presente já havia começado.  Mesmo assim, encontrei um lugar próximo ao altar, e pude assistir à sua missa.

          Terminada a missa solene, fui acompanhando a movimentação das pessoas presentes, e quase na porta de saída da igreja, fui abordado por uma mulher, que me chamou pelo nome, e assim me falou: - Guilherme! Eu sou a Adelaide, fui sua professora, lembra?

          Confesso que ela me surpreendeu, e levei alguns segundos para me situar e lembrar; - Ah, sim, Dª Adelaide?  Nossa, que surpresa, que saudade...  Ela ainda me disse o seguinte: - Lá em casa, ainda guardo os trabalhos que você fez para o jornalzinho da escola, lembra?

          Eu não me lembrava com detalhes desse tal jornalzinho, mas disfarcei e disse: - sim, Dª Adelaide, há quanto tempo, ainda tem guardado esses trabalhos escolares?  Nesse momento uma outra mulher que estava junto com a Dª Adelaide, interrompeu e disse:

          - E de mim, você se lembra? - Confesso que também não me lembrava assim de momento, mas acho que ela percebeu a minha dúvida, e logo tratou de falar: - Eu sou a Beatriz Galvão, freguesa da sua tia... Quando ela disse o seu nome, imediatamente me lembrei: ela era aquela moça que se casou um dia, em Passa Quatro, e para quem a minha tia fez um vestido de noiva, muito bonito, todo trabalhado...

          Essa Beatriz, era filha do casal Nair Galvão e Francisco Galvão Cesar, conhecido como "Chiquinho Galvão", e que na época, era o Prefeito da cidade!  Então eu disse para ela: - Sim, eu me lembro de você, e guardo também fotos antigas do seu pai.  Conversamos mais alguns minutos e nos despedimos, porque eu devia acompanhar o cortejo fúnebre, que já seguia em frente. 

          Depois, quando eu já estava ao lado do meu carro, estacionado bem próximo da Igreja, fui novamente abordado: - Guilherminho? Eu sou a Julinha, sua colega de escola!  -  Confesso que desta vez a surpresa foi maior ainda, e assim meio desconcertado, disfarcei o espanto e conversei com ela poucos minutos, sem saber direito o que falar.

          Ela estava mudada, uma moça bonita, um pouco diferente daquela Julinha da minha escola primária.  Ela me disse: - apareça por aqui de vez em quando, você sumiu de Passa Quatro.  - Eu disse que sim, que apareceria sim, mas no fundo, eu sabia que não poderia cumprir a promessa...

          Bem, foi assim, nos despedimos, e eu continuei surpreso, interiormente. Puxa, três pessoas, três surpresas agradáveis no mesmo dia, e simultâneas, apesar do motivo para o qual eu ali me encontrava, ou seja, para um sepultamento...

          Isso me deixou pensativo por vários dias, mas por fim, conclui meus pensamentos com um veredicto rápido em duas palavras: MILAGRES, ACONTECEM !  (E parece que o mundo fica mais bonito quando boas coisas nos acontecem)... ...
Passa Quatro-MG

CRÔNICAS KÖHN